Sandro Mesquita

A melhor idade e seus dilemas

Sandro Mesquita
Coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) Pelotas e Extremo Sul
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O ciclo da vida segue a lógica e as fases que todos conhecemos. De um modo bem objetivo, o ser humano nasce, cresce e morre. Ou seja, percorremos etapas destinadas a todos, salvo a precocidade e fatalidade de alguns casos e situações. Mas o fato é que nessa trajetória ou nessa passagem, cruzamos as faixas etárias que irão determinar em que fase estamos. Dentro dessas fases temos a infância, pré-adolescência e adolescência, a juventude, fase adulta e, por fim, a terceira idade ou melhor idade, como tratam alguns.

Como disse, salvo a precocidade, todos chegaremos à fase idosa. E vale aqui salientar a diferença do idoso, que é aquela pessoa que tem idade avançada, e o velho, que é quem perdeu a jovialidade. Partindo desse espectro e trazendo informações que em nosso País a expectativa de vida entre esse grupo tem aumentado nos últimos anos, o que nos fará uma Nação bem menos ativa, trago a preocupação com um recorte desse público que são os idosos negros e periféricos.

Saímos há pouco de um período muito danoso para toda a sociedade, mas muito penoso à turma da terceira idade que, já fragilizada pelos anos de vida, trabalho e contribuição de seus esforços, enfrentou a pandemia com o pouco de vigor que lhe restava. Nessa nossa reflexão, um dos questionamentos é: quem consegue alcançar a longevidade com saúde, vigor e qualidade de vida?

Baseado em experiências e vivências no dia a dia com nossos familiares, parentes e amigos, nas observações nas nossas comunidades em contraste com programas de TV que, quando trazem a pauta, nos espaços urbanos, casas de repouso, parques e praças, espaço de convivência, raramente temos a etnia negra ali representada e, para além da falta de inclusão, penso que existem outras questões.

Agora, para alcançarmos a longevidade, chegarmos na terceira idade ativos, contribuindo de uma maneira geral inclusive pro núcleo familiar, é lógico precisarmos passar pelas outras fases com alguma qualidade de vida, vivendo com o básico de infraestrutura. Moradia digna com espaços de convivências, escolas de qualidade e devidamente equipadas, com uma saúde muito bem monitorada desde o pré-natal, passando pela primeira infância e fase adulta juntamente com uma boa alimentação com frutas, legumes proteínas, carboidratos, vitaminas e exercícios físicos regulares, com acompanhamentos psicológicos para garantir saúde mental igualmente equilibrada, com carga horária de trabalho mais humanizada e salários mais dignos, enfim.

Não consigo ver isso. Ao contrário, quando olho ao redor, vejo nossos idosos no fim de suas jornadas, com idade em que poderiam aproveitar um pouco mais, nas filas dos postinhos com diversidade de medicações para as mais variadas patologias, pois talvez tenham lhes faltado a boa alimentação e os exercícios físicos. Condições financeira às vezes inexistentes, pois talvez tenham lhes faltado a qualificação para emprego melhor ou tenham aposentadoria que fica metade em empréstimos e metade nas medicações. Com déficit cognitivo e saúde mental abalada pelo reflexo da herança das migalhas de políticas públicas paliativas e ineficientes diante da demanda e problemáticas desse grupo, que passou pelas outras faixas etárias com as mesmas limitações.

Daí eu pergunto: de que maneira queremos envelhecer? De que maneira queremos ver envelhecer as pessoas em nosso volta, em nossa comunidade, em nossa cidade e em nosso País?

Talvez ainda não se tenha estudos mais aprofundados pra saber o impacto da pandemia na sociedade e nesse público específico, mas as políticas públicas de saúde, sobretudo da população negra, precisam ser mais contundentes. Pois nessa população que envelhece também existe esse recorte, que chega com vigor e condições de desvantagem. Isso quando alcança a linha final.

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